segunda-feira, novembro 10, 2008

Vômito

Coloco a panela no fogão.
Começo a fritar a idéia.
Descarrego o tempero com ceticismo.
Temperar idéias é um subterfúgio.
Nem tudo que parece se torna.
A menos que realmente já o seja.
O forno de microondas que o diga.
Faço pipocas como anúncios publicitários.
Um estouro.
Questão de gosto.
Cheio de pontos finais.
Nada de vírgula.
Vírgula é para os fracos.
Assim como o ketchup.
Comida boa não tem complemento.
Boa idéia não tem vírgula.
A vírgula é o ketchup do publicitário.
Boa idéia não passa de uma frase.
Não tenho boa idéia.
Preciso cozinhá-la.
Frase boa não tem mais de cinco palavras.
Pronto, lá se foram oito.
Que essas palavras sejam pequenas.
Não há tempo a perder.
O futuro é dos restaurantes.
Todo mundo precisa comer fora.
Preparar a própria comida é um acinte.
Lavar o próprio prato é desprestigiar o trabalho de quem não está na agência.
Quem lava prato não cria.
Se cria não usa vírgulas.
Quem lava prato não precisa de ketchup.
A boa idéia é lavar prato.
Mas que se respeite o trabalho do outro.
Porque o respeito é um texto bem escrito.
Abranda a ineficácia da má idéia.
Intensifica o arrojo da boa.
O que se teme se evita.
É melhor não sair de casa.
O que amedronta se frita.
Tenho que fritar a idéia.
Tenho que acabar com a angústia.
Idéias de queijo.
Idéias gordurosas guardadas na geladeira.
Tiro as idéias dali.
Espalho tudo sobre o balcão.
Agarro uma delas e sorvo-lhe o conteúdo.
Atenho-me às calorias.
Regurgito em forma de canção.
O ritmo é único e redondo.
Parece uma bolinha de queijo.
Quem rima é o ketchup.
Boa idéia não precisa de rima.
Boa idéia não se põe na mesa.
A boa idéia é a própria mesa.
Em chamas.
O Papa em cima dançando descalço.
A rainha mãe de sandálias.
Rindo.
O ponto-e-virgula é hilário.
Respinga do prato de salada com azeite de oliva.
A pizza espera quentinha enquanto o forno queima a intenção.
Ovo frito nunca é boa idéia se tiver propósito.
A intenção desqualifica a idéia.
Boa idéia não pode ser servida.
Nem frita.
Boa idéia não cabe no prato.
Come-se com as mãos.
Empurra-se com toda a força.
Vomita-se em seguida.
O que sobra sobrevive.
Essa é boa idéia: a sobrevivente.
O que sobra é a essência.
A essência escorre de todas as manifestações humanas.
Inclusive da rainha mãe de sandálias.
O ketchup reprime a essência.
Eu lambo o que transbordo.
É só colocar a língua pra fora.
Está bem perto agora...


Joca W.