quarta-feira, outubro 25, 2006

Escravos da Esperança

O texto não é meu, mas o cara é um gênio. Vale a leitura.


Durante toda minha vida, eu tive a convicção de que havia nascido na época errada. Pensava ter me atrasado em uns 20 anos. Alguém deve ter errado nas contas. Na certa, algum anjo desastrado trocou o 5 pelo 7, e eu acabei aparecendo nesse mundo só em 79. Tarde demais. Obviamente, o maior ressentimento é o de não ter visto o meu Colorado colocando o Brasil no bolso. De não ter estado no Gigante nas tardes e noites em que Dom Elias parava o tempo com o cotovelo. Quando Manguita desentortava as curvas de Nelinho. De não ter visto o Rei congelar no ar e, num grito de gol, dar a solucionática para todos os problemas da nação alvi-rubra. De não presenciar o Criador descer à Terra com a cinco às costas e correr sem tocar o gramado. Eu não me perdôo por não ter visto o Inter campeão brasileiro. Mas eu sempre tive a esperança de ser o Internacional campeão brasileiro.

Como grande parte da Geração América, meu coloradismo passou de paixão a estilo de vida na década da estrela sem brilho. Eu cresci querendo ser, de fato, o melhor do Brasil. Rezando e esperando. Caindo e levantando. Apoiando incondicionalmente, como manda a obrigação. E assim será até o dia em que eu ouvir o Gigante urrar pela última vez. Venerando o vermelho e branco com todos os excessos que só eles merecem e permitem. Deus no céu e o Inter acima dele.

Para mim, o Beira-Rio lotado é um nirvana em rubi. Há algo de místico e sobrenatural por trás do entrelaçamento do S, do C e do I. O Celeiro de Ases entoado pela massa é uma cabala poderosa. Uma oração à raça. Um mantra da garra. Evocação à doce guerra de lutar em grito e canção. O manto que eu visto e beijo o brasão deve ter sido forjado em uma espécie de sudário divino. Ele cura e reanima. Emociona em riso e lágrimas. Tira força sabe-se
lá da onde. Tira o fôlego, a voz e a razão. Move multidões de todos os pagos e rincões do mundo. Identifica uma irmandade de sentimento único. Faz beirar a loucura e passar dela. A força do meu time não vem desse mundo. E é essa mágica que nos manda acreditar sempre.

É esse encantamento que nos faz escravos da esperança.

A tarefa de ganhar esse Brasileirão faria Hércules não sair da cama de manhã. Mas o que não foi difícil na tua vida, Colorado? Alguma coisa já foi moleza nesses teus quase cem anos? Olha para a tua história. Tu nasceste da negação. Do não, criaste uma religião. Para ter tua casa, fizeste água virar terra. Tua gente canta, pula e te faz Inter em cima do que um dia o Grande Arquiteto quis que fosse um rio. Mas tu quiseste diferente. E assim foi. Nem o Messias conseguiria.

A dificuldade te fez grande demais, Saci. Tu já ergueste a América sobre os ombros com uma perna só! Ser maior do que tudo e todos é nada fácil. Mas lembra que o teu caminhar não acaba jamais. As estrelas que cintilam sobre o teu escudo te mostram o caminho. O amor do teu povo te ensina onde tu podes chegar. Com o apoio dos teus filhos, Inter, tu podes tudo.

Esqueçam os números. Números não são sentimentos. Tu és um sentimento. Esqueçam as frias projeções de quem nunca sentou no concreto sagrado erguido às margens do Guaíba. De quem o desconhece, inveja ou teme. Esqueçam o fim do ano. Ele virá. E nós estaremos lá. Fazendo o sol nascer.

Na boa e na ruim, tu és um seguidor. E nada vai te separar. Mesmo que tu queiras. Mesmo que faças força. Tu não tens como fugir da tua responsabilidade. Tua alma é rubra e faz teu sangue correr. Porque tu és o Internacional. Teu destino é ser Internacional. Nesse mundo e nos outros. Até o fim dos tempos. E depois deles.

Não pense em pontos e adversários. Pense Internacional. Seja Internacional. Tudo que é real, um dia, foi sonho. Sonhe Internacional. Delire Internacional. A 45 graus de febre. A 45 do segundo tempo. Quando a bola rolar, grite Internacional. Quando o juiz errar, xingue Internacional. Quando a rede estufar, berre Internacional. E se a sexta estrela nascer,
chore Internacional. Novamente, é hora de viver Internacional. E não há nada melhor do que isso. Ser colorado é um dom. Ser colorado é a verdadeira 8a arte.

Enquanto houver uma camisa vermelha, haverá esperança. Enquanto a Popular estirar suas barras e bradar que como a tua Academia só há uma, haverá esperança. Enquanto a 12 abrir sua bandeira encarnada e abençoar a multidão como a asa de um anjo, haverá esperança.
Enquanto a procissão rogar o teu nome de ponta a ponta da Padre Cacique, haverá esperança. Enquanto o Colosso erguido pela mão do teu povo seguir pairando sobre as águas, haverá esperança. Enquanto o Minuano se ajoelhar e pedir licença para soprar teu pendão bagual nos céus do Pampa, haverá esperança. Onde dois ou mais colorados se reunirem em teu nome, tu serás Internacional.

E haverá esperança.


Façamos a nossa parte.

E que Deus nos dê o que for do nosso merecimento.


Autor: Emanuel Neves (24/10/2006)